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EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

PELOS DIAS QUE SE APROXIMAM

curadoria: Bernardo José de Souza

MAC/RS - Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul

Galeria Sotero Cosme

12/10 a 13/11/2016

Porto Alegre - RS - Brasil

Pelos dias que se aproximam...

 

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo Tempo Tempo Tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

 

Caetano Veloso

 

 

Buscava escapar de um mal maior, fugir ao destino que se avizinhava sombrio, inclemente. Açodado como marinheiro de primeira viagem em águas turbulentas, ganhei o mundo sem saber ao certo onde a correnteza ladina iria me levar. Embarquei em uma viagem sem volta, disso eu sabia, movido por um ímpeto juvenil que, inexoravelmente, lançaria minha sorte em rota de colisão com a trajetória apaixonadamente urdida ao longo dos anos de sonho e juventude, resultado de minha inabalável convicção na benevolência alheia, bem como na graça divina.

 

Por mais que buscasse na memória o plano original que embalara meus dias vividos irresponsavelmente, resultava inócua minha batalha contra as armadilhas pouco alvissareiras que o futuro e a natureza se me impunham nesta jornada fadada ao assombro. Restava a mim correr contra o tempo, encontrar expedientes paliativos à certeza de que haveria um fim.

 

Ao meu redor, vestígios de uma obra inacabada, tão errática quanto ambiciosa, compunham um cenário cubista, achatado e sem perspectiva. Como se estivesse em um palco operístico, a tal realidade - com a qual tive de conviver desde o primeiro dia - ganhava contornos macabros à medida em que o som tridimensional se impunha violento, em compasso de ódio e fúria. Daí meu desejo constante de voltar a dormir, nem que fosse por um átimo, a fim de sonhar outra vez, de ganhar fôlego nas nuances de uma ficção qualquer, tão irreal quanto alvissareira.

 

Assim passava os dias, entre a ignorância absoluta e o trabalho duro. Com as mãos magoadas pelo combate diário contra as forças da ciência e das máquinas, sentia o formigamento de quem está prestes a desvanecer, perder a alma e a vida.

 

A mim, sentido algum fazia conservar os olhos abertos, beliscar-me ou molestar-me para segurar o feixe de contato com o mundo real. Mas ele se investia de uma força maior e, por fim, lograva despertar-me do sonho, da vida. O sol se levantava e punha-se a brilhar - um brilho doentio, feroz, aterrador -, obrigando-me a abrir os olhos e enfrentar o deserto que se desenhava à minha frente. Já estava em terra, por certo; não era firme como o solo do sertão - mais parecia um terreno movediço -, onde mil léguas equivalem a uma passada humana. O horizonte sempre se afastava, dando a impressão inequívoca de estar logo ali.

 

Miragens diurnas e trevas noturnas alternavam-se em uma batalha inglória, na qual eu mediava um confronto sem balizas ou freios capazes de contornar enseadas paradisíacas ou mesmo salinas infernais. Estava só, abandonado ao sabor do vento quente e agourento que sopra de há muito tempo nestas bandas isoladas do meu mundo que é mundo, embora apenas para mim. Onde estariam os outros? - perguntava-me, renovadamente, a cada amanhecer violento que me abraçava como um padrasto.

 

Foi quando dei-me conta de que estava a rondar em círculos, sempre retornando à estaca zero - mas eram tantas as distrações em meio ao percurso, que sempre parecia-me nova a paisagem a me envolver. Mas era a mesma, dei por concluir.

 

Flash-backs de um tempo imemorial irrompiam em meio aos sonhos, sinalizando memórias abandonadas e uma ancestralidade que perdera a conexão com este mundo - meu mundo, afinal de contas. Fechei os olhos e segui minha deriva, desconfiado de que sonhar talvez fosse melhor do que viver de costas para o futuro.

 

 

Bernardo José de Souza

ABERTURA PARA O INCERTO

texto: André Severo

Casa da Fotografia de Minas Gerais - Palácio das Artes

Galeria CâmeraSete

29/04 a 09/07/2016

Belo Horizonte - MG - Brasil

                                                                                                                           Abertura para o incerto

 

Imitação de uma forma; representação visual; impressão de um objeto no espírito; reprodução na memória; reflexo subjetivo de percepções passadas; concepção mental que corresponde a algo visto; retrato de uma sensação na ausência da causa que a produziu; símbolo, suspensão, iminência. As imagens existem, efetivamente, graças a uma gênese que ainda não nos parece possível descrever. Além disso, há uma carga de sentidos que se pode entrever nas imagens que não seria acessado, inteiramente, na linguagem – pois, sem a obrigação de fazer uso das regras da predicação, as imagens dão acesso a um pensamento em iminência capaz de nos conduzir a questionar o real por caminhos que não os do discurso direto.

 

Nesse sentido, questionar-se sobre a imagem significa também pensar a unidade, sempre em tensão, entre aquilo o que ela deixa suspenso e o modo como o espectador recebe e assoma – pela intuição sensível – este instante de suspensão. Ao buscar tornar visível justamente aquilo o que não existe para nossa percepção imediata, aquilo o que está suspenso, em condição de iminência, as imagens reunidas por Nelton Pellenz em sua exposição Abertura para o incerto parecem querer, ao mesmo tempo, se desvencilhar das malhas da linguagem instituída e se vincular diretamente à gênese do sensível – às formas anteriores ao princípio racional que, ao menos por enquanto, ainda segue desenvolvendo (e governando) as estruturas que dão forma ao nosso pensamento. Tratam-se, aqui, de imagens fotográficas e videográficas que não se prendem em desdobramentos lineares; imagens que, de forma muito evidente, não representam, mas apresentam algo; imagens latentes – sem início, meio ou fim – e que não são passíveis de redução às suas bordas materiais ou medidas por seus tempos específicos de duração.

 

Não podendo ser traduzidas em termos discursivos, não sendo passíveis de restrição a códigos formais ou delimitações temporais, as obras apresentadas nesta exposição tampouco devem ser entendidas como espécies de objetos visuais produzidos para transmitir ao seu eventual espectador, de forma simbolizada, um discurso sobre o mundo real. Considerando-se que foram realizadas a partir de situações corriqueiras presenciadas diretamente pelo artista, quiçá pudéssemos até cogitar considerar as fotografias e os vídeos dispostos na exposição como uma tentativa de representação da realidade – ou de aspectos pontuais da realidade –; todavia, o esforço empregado por Nelton Pellenz para extrair destas imagens sua carga singularmente poética e gerar tensionamentos entre realidade e ficção (não obstante, apresentados em uma estrutura de linguagem visual descontinuada a ser desdobrada espacialmente e vinculada com outras imagens), acabam por conduzir o espectador a um instante de abertura para um princípio de incerteza em sua relação imediata com o real. São, em última instância, imagens que se expõem às vinculações não programadas (inclusive com quem as assiste) e geram uma espera cujo desenrolar é infinitamente referido, adiado, suspenso.

 

Encaradas, pois, não como matrizes representativas de pensamentos ou ideias passíveis de ordenações narrativas mais ou menos evidentes – mas como possibilidade de revelar alguma coisa, de tornar visível algo que muitas vezes não pode ser descrito –, as imagens que se apresentam nesta exposição aproximam (e tornam indissociáveis) poesia e reflexão como forma de acesso e produção de conhecimento. Como em todo projeto artístico que se mantém coerente com a busca e instauração de novas maneiras de entender o mundo e a realidade, em Abertura para o incerto as imagens e o sensível que as acionam não devem ser entrevistos como propriedades de um objeto visual distinto, mas antes como esferas do real diferentes de outras esferas – alguma coisa que, apesar de existir em si mesma, precisa (constantemente e de uma maneira muito particular) redefinir seus termos.

 

André Severo

Artista e curador

REFERENCIAIS MÓVEIS PARA CIDADES EM TRÂNSITO

texto: Paula Ramos

Complexo Cultural Usina do Gasômetro

Galeria Iberê Camargo

08/05 a 07/06/2015

Porto Alegre - RS - Brasil

MIRAGEM

 

O olhar percorre as imagens e identifica prédios, janelas, telhados, antenas: linhas e planos geométricos a sugerir os ritmos e desenhos da urbe. De modo coadjuvante, emergem também fragmentos de nuvens, árvores, adensamentos irregulares ao fundo, bafejando o contorno de morros. E então, em meio a uma Porto Alegre de céu chumbado, desponta sutilmente um edifício, ou mesmo um conjunto deles. Aclarados por uma luz invulgar, esses fragmentos parecem ficção.

 

Observador arguto das relações entre natureza e urbano, Nelton Pellenz (São Paulo das Missões, RS, 1967) permitiu-se maravilhar com o fenômeno do deslocamento das nuvens em dias nublados, quando o sol atinge rapidamente um ou mais prédios, destacando alguns pontos e conferindo-lhes evidência, mesmo que fugidia. Fascinado, pôs-se a registrar esses lampejos, intensificando os contrastes por meio de ajustes técnicos na câmera, sem recorrer a efeitos de pós-produção. O resultado são imagens que tensionam realidade e fantasia, sugerindo devaneio, miragem, capricho.

 

Ultrapassando, porém, o aspecto de quimera, essas luzes efêmeras revelam os novos ordenamentos urbanos. Tradicionalmente, a cidade é percebida pela materialidade de sua arquitetura, volumetria dos bairros e traçado das ruas. Reconhecer o ambiente é condição vital para que possamos nos inserir nele, e poucas coisas são mais angustiantes para quem vivencia o espaço urbano do que o sentimento de desorientação. Com a expansão dos médios e grandes centros, os bairros têm seus perímetros reconfigurados, e alguns pontos, outrora de referência, deixam de cumprir essa função, embaralhando a lógica e a percepção dos transeuntes. A dimensão concreta dessa realidade encontrou, nos movimentos das nuvens e no olhar sensível de Pellenz, a sua resposta poética. Nesse ínterim, o que permanece são os lugares a partir dos quais as fotografias foram produzidas: o apartamento e o local de trabalho do artista, ambos na zona central de Porto Alegre, seus marcos pessoais na cidade.

 

Obsessivo em seu processo e incansável em seus propósitos, para Nelton Pellenz a fotografia é, sempre, instrumento de invenção, a partir da qual ele revisita o cotidiano, o entorno, a paisagem. É isso que Referenciais móveis para cidades em trânsito evidencia.

 

Paula Ramos

Crítica de arte, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da UFRGS

FIAT LUX

Complexo Cultural Usina do Gasômetro

Galeria Lunara

26/07 a 25/08/2013

Porto Alegre - RS - Brasil

FIAT LUX

Nesta exposição, apresento um conjunto de fotografias de espaços urbanos registrados à noite, utilizando o ajuste da velocidade do obturador da câmera para modificar os ambientes percebidos.

Os pontos de luz foram os condutores para o enquadramento de cada cena e, nesse contexto, a arquitetura, a vegetação e outros elementos, que impediam a sua passagem, auxiliaram na configuração desses novos cenários.

Busco, com esse enfoque, criar uma cidade particular que emerge da noite preta e que é lida a partir da peculiaridade das suas luzes.

Nelton Pellenz

CONJUNTO HABITACIONAL

texto: Paula Ramos

Casa de Cultura Mário Quintana - CCMQ

Fotogaleria Virgílio Calegari

22/03 a 28/04/2013

Porto Alegre - RS - Brasil

INVERSÕES NOTURNAS

 

De dia: os edifícios, suas dimensões, cores e formatos ajudam a configurar a percepção que temos das cidades. À noite: quem o faz são as luzes, vindas dos carros a trafegar pelas avenidas, dos postes iluminando as ruas e, principalmente, das janelas dos apartamentos ocupados. É então que, através dessas aberturas, o privado torna-se público. Como vitrines, as janelas passam a exibir fragmentos da vida particular, invertendo uma das lógicas da casa ou do espaço habitado, que é de resguardar a privacidade de seus moradores.

 

Em Conjunto Habitacional, Nelton Pellenz reforça essas questões. Muitas das imagens foram feitas a partir de seu apartamento, em Porto Alegre; outras, de quartos de hoteis em São Paulo, Belo Horizonte e Florianópolis. Ao apresentá-las numa Galeria Virgílio Calegari de paredes enegrecidas e iluminação difusa, o artista ensaia uma instalação e convida o espectador a vivenciar a sutil sensação de estar, também ele, num quarto de apartamento, com vista para as mesmas situações que lhe mobilizaram. Vultos em contraluz, planos de cor, transparências, movimentações e ritmos noturnos despontam, mas sem qualquer curiosidade de natureza indiscreta. O que interessa a Pellenz é explorar as questões relacionais entre espaços públicos e privados, discutindo a inversão de legibilidade que ocorre à noite, quando as linhas arquitetônicas das cidades desvanecem e novos grafismos se revelam, oriundos, em grande medida, dos ambientes particulares. Para evidenciar essa percepção, o artista explorou recursos técnicos bastante simples, como o tempo de exposição do obturador. Com isso, reduziu ainda mais a visibilidade das áreas externas, valorizando os pontos luzentes, ou seja, as janelas das residências.

 

Reconstruindo o urbano pelo fotográfico, Nelton Pellenz, que vem de uma sólida e respeitada trajetória com o vídeo, assume a fotografia como instrumento de invenção. Nesse sentido, é fundamental observar a relação formal e conceitual que ele sugere. Afinal, suas vitrines silenciosas apresentam-se no formato mais tradicional e acessível da fotografia, o 35 mm; e, tal como a fotografia, elas só se tornam possíveis com a luz.

 

Paula Ramos

Crítica de arte, professora-pesquisadora do Instituto de Artes da UFRGS

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